Nunca se falou tanto sobre imagem e posicionamento de marcas como agora. Isso se dá por conta de uma crescente cobrança de consumidores sobre responsabilidade por parte das marcas que consomem.
Uma pesquisa da Accenture de 2019, mostra que as gerações Y e Z (nascidos a partir dos anos 1980), correspondentes à quase 5 bilhões de pessoas, possuem maior entendimento sobre autenticidade e propósito do que gerações passadas, algo que se imprime na forma como esses consumidores vêem as marcas. O estudo mostra que cerca de 75% dessas pessoas esperam que as empresas se posicionem sobre causas e problemas relacionados ao seu core business. Isso quer dizer que se eu tenho uma empresa que vende cosméticos para mulheres, parte dos consumidores dessas gerações esperariam que a minha empresa se posicionasse de alguma forma contra a discriminação por gênero, ou mesmo contra padrões inalcançáveis de beleza, por exemplo. Além disso, mais de 50% dos consumidores dessas gerações dizem ter parado de consumir produtos ou serviços de alguma marca que os desapontou por meio de palavras ou ações sobre questões socioambientais.
As empresas possuem então, não só os desafios recorrentes de inovar e ter qualidade em produtos e serviços, mas também uma necessidade crescente de posicionar-se e agir conforme aquilo que entendem como seu propósito, trazendo consistência à imagem que projetam. Mas como então trabalhar a imagem da minha empresa para esse cenário ascendente? Bem… Há várias maneiras de posicionar-se e comunicar-se de forma a atingir uma imagem positiva. Mas lembrem, os consumidores buscam autenticidade e propósito, e por mais que tentemos projetar uma imagem positiva, no longo prazo ela não se sustenta se não houver uma realidade consistente por trás.
Então aqui, não vamos falar de marketing, vamos falar da realidade que sustenta essa imagem: quem é a minha organização e como trabalhar a sua identidade de modo que reflita na cultura organizacional e sustente assim uma imagem positiva para o público externo.
Quem é a minha organização?
Vamos fazer um exercício.
Faça para a si mesmo a seguinte pergunta: Quem é a sua organização? Eu imagino que como resposta você tenha pensado na sua missão e visão, ou valores talvez… O que já é um bom começo. Mas vamos além. Como essa sua missão, visão, e valores foram estabelecidos? Quem participou dessa construção? E se alguém perguntasse aos seus colaboradores quem é sua organização, será que eles pensariam nessas definições também?
Pode ser que sua identidade esteja tão bem construída e disseminada entre os membros da sua empresa, que de fato ela sustente a imagem que você deseja projetar. Porém, o que vemos na maioria dos casos é oposto. E para desfazer esse nó, vamos começar do começo.
O que é Identidade?
Bem, conceitualmente, temos que a identidade é definida pela intermediação constante das identidades assumidas, ou seja, como nos vemos considerando nossos sistemas de crenças e valores, e das identidades visadas, aquilo que desejamos ser. É sobre a distância existente entre tais tipos de identidades que se dá a construção da nossa identidade, e que se processam as interações sociais e a participação dos outros na construção da nossa identidade.
“Construir a própria identidade é, portanto, permanente desafio no sentido de encontrar o equilíbrio entre aquilo que se é e o que os outros esperam que nós sejamos. O outro é o espelho social que permite ao indivíduo reconhecer-se, avaliar-se e aprovar-se. Sob essa perspectiva, o eu não existe, a não ser em interação com os outros (Whetten e Godfrey, 1998).” Assim, embora exista em cada indivíduo um senso de individualidade, as experiências de socialização constituem o principal referencial para a formação das identidades. E assim são também as organizações, como veremos adiante.
A partir do entendimento sobre a identidade de um sujeito, conseguimos avançar também à outros conceitos de identidade, importantes para entendermos as organizações. A identidade social, baseada nas crenças e características comuns entre os indivíduos de um grupo e nas suas distinções à outros grupos. E a identidade no trabalho, entendida pela maneira de elaborar um sentido para si a partir dos múltiplos papéis sociais e de fazê-los reconhecidos por companheiros de trabalho. Esses três primeiros conceitos de identidade, nos permitem chegar àquele de fato nos interessa aqui: a identidade organizacional.
Por definição, “A identidade organizacional compreende o processo, atividade e acontecimento por meio dos quais a organização se torna específica na mente de seus integrantes (Scott e Lane, 2000).” Neste processo são compreendidas as crenças partilhadas pelos membros da organização sobre o que é central, sobre o que distingue a organização de outras, e sobre o que é duradouro na organização, ou seja, os traços percebidos como contínuos e que ligam passado e presente.
Uma segunda perspectiva aponta que a identidade organizacional reflete ainda o contexto espaço-temporal em que se insere. Seus atributos internos relacionam-se com o nível interorganizacional e mostram como a identidade transcende os limites organizacionais.
Temos assim correntes complementares, que apontam que a identidade organizacional se dá pela construção social dos diferentes grupos que a compõem, formados por seus indivíduos e relações entre eles, ao mesmo tempo que se relaciona com um contexto temporal.
Postas tais distinções, chegamos na base de qualquer organização: as pessoas.
Quem são as pessoas que compõem a organização?
Parece estar claro a este ponto que quando falamos de identidade organizacional, estamos diretamente falando de um conjunto de crenças e valores compartilhados entre membros, que se combina com relações diárias (intra e interorganizacionais), construções históricas e projeções de seres futuros. Parece claro também, que para entendermos quem é a organização, temos que antes de mais nada, entender quem são as pessoas por trás delas. E aqui deixo talvez a pergunta mais importante para você, gestor: Você conhece as pessoas que trabalham para você? Sabe a que grupos elas pertencem, ou mesmo formam dentro da sua organização? Sabe o que pensam sobre o propósito que te inspirou a começar o negócio?
É claro que a maioria das organizações começam com poucas, ou mesmo uma pessoa, e nesse sentido pensar em identidade organizacional seria o mesmo que pensar em si. Mas estamos falando de crescer, de inovar, e construir junto à um grupo. Então se o sonho da sua organização, por menor que ela seja hoje, seja crescer e contar com mais pessoas nessa empreitada, é hora de passar a prestar atenção nas pessoas, começando por você.
Lembra do propósito? Precisamos começar por ele. As organizações começam pelo propósito de empreendedores. E as organizações continuam e crescem em sua plenitude quando conseguem atrair pessoas que compartilham de algum modo desse propósito.
Vamos exemplificar, um grupo de empreendedores criam uma organização voltada à combater a violência contra mulher. Sem levar em conta capacidades técnicas, quem você acha que trabalharia com mais afinco por essa organização: Uma mulher que é ativista em suas redes sociais contra o machismo e a opressão às mulheres, ou uma mulher que em suas atitudes demonstra que acredita que machismo é coisa do passado e que isso não existe mais na sociedade? A resposta parece óbvia, não é mesmo? E isso está ligado a termos aqui a noção clara sobre uma parte do sistema de crenças das duas mulheres, e que uma se conecta diretamente ao propósito da organização e outra não.
Porém, na maioria das vezes a vida real não é tão óbvia assim, pelo contrário. A verdade é que pessoas precisam de empregos e possuem diversas habilidades, enquanto organizações precisam de pessoas com determinadas habilidades. Na impossibilidade de um casamento perfeito, seguimos o meio do caminho. A consequência de forma geral recai sobre a cultura da organização, visto que a identidade, aspecto central da cultura, sustenta apenas parcialmente aquela projeção futura da organização. Se as pessoas que estão ajudando a construir a organização, não compartilham daquele conjunto de crenças e do propósito a ser atingido, não há como promover seu desenvolvimento da maneira esperada por aqueles que deram início à esse sonho.
Como trabalhar a Identidade nas organizações
Bom, já vimos que não se trata de algo simples, afinal, estamos falando de desenvolver um conjunto de crenças e valores em um coletivo de indivíduos necessários para uma organização, e que por si só já possuem seus próprios sistemas de crenças e que podem ser totalmente diferentes. Com isso em mente, e entendendo que organizações são sistemas complexos e dinâmicos, queremos fechar essa reflexão levantando tópicos importantes aos gestores quando falamos de iniciar um trabalho de cultura a partir da identidade organizacional.
1- Comece pelo porquê:
Todas as organizações existem por alguma razão. Em geral, elas nascem para atender necessidades e resolver problemas da sociedade, ou mesmo para mudar o mercado a partir da introdução de novos produtos ou serviços. E o por quê você faz aquilo que você faz, diz muito sobre quem você é e no que você acredita. Aqui temos nossa primeira lição: quando falamos de identidade organizacional, estamos falando diretamente da identidade de pessoas. Conheça seus porquês, e os porquês daqueles que estão remando nesse barco com você.
E por mais dinâmica e flexível que uma organização seja, ou mesmo por mais antiga, ela possui uma essência, ela nasceu por que alguém acreditou em algo e evoluiu pela mesma razão. Essa essência precisa estar clara, à TODOS.
Na Corali, somos fãs do livro “Comece pelo Porquê”, de Simon Sinek, e deixamos como dica prática para começar essa reflexão. A metodologia de Sinek, conhecida como Golden Circle (círculo dourado) ajuda gestores a identificarem o porquê de seus negócios e a desenvolver sua comunicação de modo que crie a imagem desejada na cabeça dos consumidores. Se você estiver com o tempo reduzido, sugerimos que dedique alguns minutos para assistir o TED dele e depois conheça melhor a metodologia.
2- Conheça as pessoas que trabalham com você:
Como vimos, a identidade de uma organização nada mais é do que um conjunto de identidades de muitas pessoas e as relações entre elas influenciadas por um contexto. Esse conjunto de crenças, valores, e atitudes contribuirá para a imagem da organização a ser projetada ao meio externo. Assim, trabalhar a cultura organizacional para que leve esse barco para a direção desejada, significa colocar todos para remar na mesma direção. Mas lembre, por questões individuais, nem todos acreditam no mesmo caminho que você. Conhecer seus colaboradores e também seus fornecedores e parceiros, é imprescindível para montar o grupo que o ajudará a empreender o máximo de esforço o possível na mesma direção.
3- Aja de forma coerente
“Ações falam mais que mil palavras”, já diria o ditado. Começamos esse artigo falando sobre o que está por trás da imagem que a organização tenta projetar para o meio externo, e o que está por trás são as atitudes das pessoas que fazem parte dessa organização. É claro que quanto mais popular um membro da equipe é, mais suas atitudes impactam o como a organização é percebida (inclusive para o público interno). E isso novamente inclui parceiros, fornecedores, e até mesmo consumidores.
Além de pequenas atitudes de pessoas, o posicionamento da organização sobre os mais diversos assuntos traduz muito sobre quem ela é e impacta sua percepção por parte do público externo. É preciso posicionar-se e agir em prol daquilo que se acredita. E na base das decisões mais difíceis, devem estar sempre os valores compartilhados entre o conjunto organizacional. Se um dos seus valores é prezar sempre por sustentabilidade ambiental, contratar um fornecedor que responde processos por conta de danos ao meio ambiente é incoerente. E lembre-se, as gerações Y e Z são vigilantes e vão te julgar por tais atitudes. Há uma grande probabilidade de elas deixarem de comprar da sua marca por que suas atitudes não condizem com suas palavras.
4- Apaixone-se por quem você é e pelo propósito que carrega
Pode ser que você não acredite em nada do que escrevemos aqui e simplesmente pense que organizações são desenhadas para gerar riqueza. Por muito tempo essa máxima do “o fim de toda empresa é o lucro” imperou nas escolas de negócios mundo afora. Até que o mercado tornou-se mais consciente, o mundo do trabalho atingiu uma nova era em termos de cargos e funções, e as organizações passaram a ser entendidas como os principais meios de geração de valor para sociedade.
Toda empresa existe para atender alguma necessidade ou problema social, ou mesmo provocar mudanças no mercado com produtos e serviços inovadores. Qual é o valor que a sua organização entrega para a sociedade? Qual é a função social dela nesse mundo?
Apaixone-se por isso, pelos problemas que você resolve e pelos que resolverá no futuro, e sua organização nunca se tornará obsoleta.
Referências:
Getting to Equal 2019: Creating a Culture That Drives Innovation, Accenture, 2019
A Identidade e o Contexto Organizacional:Perspectivas de Análise, Hilka Vier Machado
Whetten, D.; Godfrey, P. Identity in organizations. London: Sage Publications, 1998.
Scott; Lane. A stakeholder approach to organizational identity. Academy of Management Review, v. 25, n. 1, p. 43-62, 2000.
Simon Sinek – Golden Circle