Vamos voltar algumas décadas para descobrir como chegamos até aqui e entender porque o empreendedorismo não costuma ser a primeira opção quando consideramos a nossa carreira. Porém, que cada vez mais está tomando esse espaço e sendo considerado uma nova possibilidade de atuação profissional.
Depois disso falaremos sobre a evolução dos empreendedores por oportunidade e por necessidade, qual o cenário atual, as oportunidades e programas que existem para empreendedores e empreendedoras e como o empreendedor já não pode mais ser considerado apenas alguém que é dono do seu próprio negócio.
O movimento que inicia o empreendedorismo parte da década de 1980, apontando para uma nova tendência geral de funcionamento do mercado de trabalho, a qual antes era predominantemente representada pelo emprego assalariado regular.
Vamos entender primeiro o que se passava antes da década de 1980
Você já deve ter ouvido falar na CLT, sigla que representa Consolidação das Leis do Trabalho. Esse conjunto de leis foi instituído em 1943, para regulamentar as relações de trabalho, assim como instaurar e proteger os direitos dos trabalhadores. Até hoje é considerada uma conquista da sociedade brasileira. E foi nessa época que elas surgiram. As Leis Trabalhistas reforçaram a lógica de funcionamento do mercado de trabalho dessa época, o qual era marcado pelo avanço das ocupações mais homogêneas, representadas fundamentalmente pelo emprego assalariado regular nas empresas tipicamente capitalistas, na administração pública e nas empresas estatais.
Nessa época vários sinais apontavam para uma estrutura onde essas Leis se viam como necessárias, da crescente elevação do desemprego das ocupações não assalariadas até a diminuição das posições assalariadas, especialmente aquelas com carteira assinada.
Outro grande marco que contextualiza essa lógica do mercado de trabalho, foi a consolidação do projeto de industrialização nacional, que trouxe uma grande expansão dos empregos regulares registrados.
Toda essa estruturação era marcada por uma Sociedade salarial, onde suas características são representadas pela sustentação na ampliação dos empregos assalariados, sobretudo dos regulares e registrados, e na redução relativa do desemprego e das ocupações por conta-própria e sem remuneração dos trabalhadores.
A exemplo dos países desenvolvidos, a dinâmica da industrialização, orientada pelas políticas macroeconômicas comprometidas com a expansão da produção nacional, favoreceu continuamente o aumento das ocupações. Aspectos que apoiaram a consolidação de uma sociedade salarial.
A partir de 1980 o projeto de industrialização foi perdendo força, e o PIB que apresentava bom desempenho nessa frente, começou a registrar oscilações. Junto disso, o mercado de trabalho começou a apresentar tendências de desestruturação, como a alta na taxa de desemprego.
O movimento de desestruturação caracteriza-se pela manifestação do segmento não organizado do mercado de trabalho urbano, cujas formas principais de ocupação são heterogêneas. Ou seja, formas que não pertencem, sobretudo, às organizações tipicamente capitalistas, administração pública e empresas estatais, geralmente peculiares das economias subdesenvolvidas. Devido a perda relativa de participação do emprego formal no total da ocupação, novas formas de trabalho precisaram ser recorridas, tornando o empreendedorismo, muitas vezes, o único caminho possível para sustentação das pessoas que se viam a mercê do desemprego.
Uma lei que cria e institucionaliza o empreendedor como forma de ocupação, é o registro MEI – Micro Empreendedor Individual, criada em 2008, e que veio como necessidade ao crescimento dessa nova forma de trabalho. A importância desse marco se apresenta quando percebemos que esses trabalhadores já vinham praticando atividades na informalidade desde essa época, mas eram considerados desempregados e não tinham direitos a alguns benefícios, como participação na aposentadoria. Com a inclusão do registro MEIs, todas essas pessoas puderam se registrar, e legalmente passaram a fazer parte do mercado de trabalho. Em setembro de 2019, já tínhamos 9,031 milhões de MEIS registrados em todo o país, um número significativo para 10 anos (GEM).
O empreendedorismo no Brasil faz parte então de um cenário recente. Isso significa que estamos construindo o que ele representa para nós e ainda entendendo como iremos torná-lo uma opção de carreira justa e com oportunidades igualitárias para todas as pessoas que desejam segui-la.
Nesse caminho encontramos diferentes desafios e muitas oportunidades também.
Além da busca pelo empreendedorismo como única forma de sustentação, existiram aqueles que empreenderam por escolha, seja por se deparar com grandes oportunidades no mercado ou por precisar inovar e gerar novos negócios para lidar com a concorrência em um mundo cada vez mais globalizado. Nesse cenário, outros empreendedores também surgiram, diferentes dos empreendedores que encontram a sua subsistência no seu próprio negócio, são pessoas com mais estrutura que empreenderam por escolha.
De acordo com o GEM – Monitor de Empreendedorismo Global, o empreendedorismo pode ser classificado em duas categorias, quando nos referimos a causa que originou o empreendimento: Necessidade e Oportunidade.
Os empreendedores por necessidade são aqueles que respondem que a criação do negócio foi efetivada pela falta de outras possibilidades para geração de renda e de ocupação.
Já os empreendedores por oportunidade são aqueles que afirmam ter iniciado o negócio principalmente pelo fato de terem identificado uma oportunidade de negócio viável a ser concretizada no ambiente em que atuam.
Quando falamos da história do empreendedorismo, fica evidente que ela ganhou força devido às duas categorias de empreendedores. O crescimento do número dos empreendedores por necessidade reforçou que empreender não é uma atividade apenas para quem quer. E que recursos financeiros, acesso a conhecimentos de gestão e mais espaço para conexões e negócios, são fundamentais mas muitas vezes escassos nessa realidade, o que faz com que muitos empreendedores não consigam evoluir na fase do seu negócio e até desistem de empreender. Os empreendedores por oportunidade, por sua vez, trouxeram para o empreendedorismo, uma certa glamourização, que foi importante para mostrar o potencial da criação de novos negócios no país.
Independente da causa que motivou o empreendimento, temos empreendedores que fizeram do seu trabalho a sua motivação de vida. Abrir um negócio é uma grande conquista! Tratando-se de um cenário onde se tem estrutura e recursos para viabilizar a ideia, abrir um negócio pode parecer mais seguro, mas mesmo assim é um ambiente de risco.
O empreendedorismo além de ocupação também virou um mercado, pela necessidade latente de desenvolvimento dos empreendedores, que precisam ter um comportamento multidisciplinar e trabalhar em rede para sustentar e evoluir o seu negócio.
Atualmente já podemos encontrar formas de incentivo e programas exclusivos para empreendedores, eles se diferem no formato e na quantidade de benefícios, variando entre: qualificação, acesso a capital financeiro, acesso a parceiros (networking), acesso a mercado (novas oportunidades de negócios) e recursos materiais (alguns até possibilitam um espaço de trabalho). Esse programas estão divididos em: Pré-Incubação, Incubação, Pré-aceleradoras, Aceleradoras, e outros.
Para conseguir identificar qual programa é o mais adequado para participar é importante identificar em qual fase está o seu negócio. São diferentes classificações para as fases principais de desenvolvimento de negócio, geralmente divididas em quatro principais. Na Corali, consideramos as quatro seguintes: Descoberta, ideação, operação e aceleração.
Resumidamente, na fase da descoberta você está buscando conhecimento, participando de programas iniciais, como hackathons e startup weekend, e iniciando sua rede. Na ideação você já consegue definir o problema e gerar hipóteses para resolvê-lo, também constrói uma estrutura mínima que te possibilita entregar o serviço/produto e validar a sua ideia. Na operação você cria mecanismos para atrair clientes e evoluir no seu fluxo de caixa. E por fim, na aceleração, o momento de buscar maiores investimentos, tracionar a startup, rever o modelo de negócios e se consolidar.
Um exemplo é o Programa de Aceleração da Darwin, que inicia com uma inscrição online, onde o empreendedor responde questões sobre o seu negócio até chegar numa fase de entrevista presencial, caso passe para essa etapa. O programa é direcionado a startups (empresas de base tecnológica) que já possuem um MVP (produto mínimo viável) validado e estão iniciando vendas ou que já encontraram o seu Market Fit (produto adequado para o mercado), ou seja, já possuem seus clientes e precisam se tornar sustentáveis.
Também podemos encontrar programas nas próprias universidades, geralmente esses são para estágios bem iniciais, ideias que estão sendo desenvolvidas pelos alunos. É o caso das Incubadoras.
Além desses programas existem também iniciativas pontuais mais direcionadas para algo que o empreendedor esteja procurando. Como por exemplo o Portal do Empreendedor, com um seção focada em crédito. Ou os diferentes cursos, como o Empretec, voltados a uma formação em gestão.
As empresas privadas também possuem programas com investimento para startups, voltados a atingir resultados estratégicos como ampliar o portfólio de produtos/serviços, trazer mais inovação para dentro ou adquirir novos negócios.
Existem também organizações de fomento voltadas para pesquisa, desenvolvimento e financiamento do empreendedorismo, como a Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec), Associação Brasileira de Startups (ABStartups), GEM (já citado anteriormente) e outras concentradas em regiões e por estados.
Essas organizações promovem eventos, que movimentam ecossistemas e ajudam na formação de comunidades empreendedoras e na geração de oportunidades desse meio. É o caso do Case, um evento com várias palestras sobre empreendedorismo, e que reúne uma feira de negócios unindo empresas, potenciais investidores e startups.
Elas também oportunizam investimento, com linhas de editais para apoio de startups, geralmente focadas em um nicho do mercado ou buscando uma solução mais específica e direcionada, como exemplo em Santa Catarina, temos a FAPESC.
Fica evidente que o movimento, mesmo que recente, está tomando sua forma. Como citado no texto, são diferentes iniciativas, programas e organizações que estão trabalhando para e com este mercado.
O contexto do empreendedorismo evoluiu não somente para a criação de uma organização ou da atuação como dono ou dona do seu próprio negócio, mas passou a ser considerado um comportamento, que carrega diferentes competências e habilidades.
Nesse contexto, empresas começaram a desenvolver também programas internos, para desenvolver o capital humano e potencializar o crescimento da organização, em busca de mais inovação e competitividade frente a um mercado tão ágil e concorrente. Esses programas buscam empoderar os colaboradores para que eles empreendam na própria organização, o termo é conhecido como intraempreendedorismo. Dessa forma, o colaborador ganha mecanismos para desenvolver essas competências empreendedoras e passa a empreender novas iniciativas dentro da empresa, iniciativas que muitas vezes podem virar novos produtos, serviços ou processos para a organização.
Estamos caminhando para a formação desse mercado de trabalho mais desestruturado, que apresenta melhores resultados quando conectado às demandas da sociedade. Escolher o empreendedorismo como carreira é escolher o seu próprio caminho, é uma folha em branco a ser traçada, a cada dia. Esse caminho é difícil, desafiador, por isso se torna essencial o olhar por trás do que cada empreendedor e empreendedora carrega.
Acredito que oportunizar acesso, gerar incentivos e possibilitar o desenvolvimento dessas pessoas é o que irá transformar o empreendedorismo em uma escolha mais justa e acessível a todos e todas, e num motor de desenvolvimento para o país.
As organizações e pessoas que estão olhando para isso ajudam a tornar esse sonho real. Para concluir, cito o economista austríaco Joseph A. Schumpeter:
Indicação: Para quem quiser conhecer quais são as características de uma atitude empreendedora, escrevemos um texto onde relacionamos a atitude empreendedora com as requisitadas soft skills, do mercado de trabalho. No texto, trazemos seis grupos de características e o que elas representam no comportamento empreendedor.
Referências:
Cesar Salim, C, Silva, N. Introdução ao empreendedorismo: Despertando a atitude empreendedora, 2010.
Estevans, G. Empreendedorismo e diversidade: como fortalecer negócios para além das bolhas. Maio, 2018. Disponível em: https://medium.com/a-tear/empreendedorismo-e-diversidade-como-fortalecer-neg%C3%B3cios-para-al%C3%A9m-das-bolhas-8648322e631