Transcrição EPISÓDIO 5 – Mulheres negras: mídias, lutas e conquistas
TT – Tatiana Takimoto
RL – Renata Lopes
TT: Olá queridas e queridos ouvintes meu nome é Tatiana Takimoto, e hoje vamos falar sobre mulheres negras, mídias e feminismos. A minha convidada de hoje é a Renata Rodrigues Lopes. A Renata é jornalista, editora das revistas impressas pretas e reconexões, pós-graduanda em História, Cultura afro-brasileira e indígena, especialista em políticas públicas de gênero e raça, foi a primeira representante da Fundação Cultural Palmares do Ministério da Cultura na região sul, ex-coordenadora e hoje participante da Comissão especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Grupo Hospitalar Conceição, integrante do Fórum livre de mulheres negras, organizadora da Marcha das mulheres negras em 2015 e do Encontro Nacional de Mulheres Negras em 2018, hoje participa do coletivo Art Luque, que é um grupo de estudos de pensamentos de mulheres negras. Renata, bem-vinda ao canal papo diversidade, uma honra ter você aqui no podcast da Corali.
RL: Que maravilha, Tati! Eu que fico muito honrada e agradecida pelo convite de tá participando e fazendo essa troca, a gente tá trocando experiências, conversando um pouco. Muito obrigada pelo convite, Tati.
TT: Eu conheci a Renata ano passado, a gente fez juntas uma viagem para os Estados Unidos, essa viagem foi super importante para mim no sentido de apresentar uma realidade que eu não conhecia, de verdade foi uma viagem assim, que eram oito mulheres, três brancas, cinco negras, para quem não me conhece, eu sou uma mulher branca, mestiça, descendente de japonês e eu vivia numa bolha, essa que é a verdade, fundei um grupo de mulheres na tecnologia, e eu fui para os Estados Unidos com essa intenção de trabalhar mais com as mulheres na tecnologia, a inserção dessas mulheres, só que esse mundo é um mundo de mulheres brancas, de mulheres já bem sucedidas e tudo mais. E a Renata, junto com as outras colegas que viajaram com a gente, nessa mesma missão, compartilhou e todas elas compartilharam várias histórias das mulheres negras que muitas nos faziam chorar. Eu lembro nas nossas reuniões, sempre tinha alguém chorando, eram histórias muito emocionante e muitas histórias que eu nem fazia ideia que aconteciam com as mulheres negras, é realmente tocaram o meu coração, e aí a gente com todas as visitas que a gente realizou eu voltei para cá, para o Brasil, uma outra pessoa. E aí, Re, eu até te agradeço pela nossa convivência que a gente teve nos Estados Unidos, que a gente viveu lá, as histórias que você compartilhou, você pode ter certeza que hoje eu sou uma pessoa melhor, enxergo mais a realidade.
RL: Que maravilha, Tati, maravilha ouvir isso. E realmente essa experiência que nós tivemos foi um divisor de águas também para mim, ter essa oportunidade de conhecer outras realidades mas que ao mesmo tempo são tão parecidas com as nossas, e falando realmente mesmo da trajetória das mulheres negras que tanto no Brasil como nos Estados Unidos, enfim, a gente tem uma uma história de tantas dificuldades, de tantas lutas, mas que ao mesmo tempo a gente consegue enxergar à frente, que é isso, é proporcionar essas mudanças nos lugares onde a gente tá, com as pessoas que a gente conhece, a gente conseguir colocar as nossas pautas em evidência, de uma forma tranquila em que a gente possa realmente, não é convencer as pessoas mas fazer com que as pessoas entendam da onde a gente vem, para onde a gente tá indo, porque temos tantas dificuldades, que a gente ainda percebe nos dias de hoje. Para mim também foi maravilhosa essa experiência, muito bom ter te conhecido, Tati, nós firmamos uma parceria bem legal mesmo. Essa troca realmente foi e tá sendo fundamental, muito bom tá aqui contigo.
TT: Ah eu fico tão feliz que a gente tá juntas aqui novamente nesse podcast, e falar de história é uma coisa muito importante mesmo, eu tenho levado isso assim, pra minha vida, conhecer mais sobre a história. E aí eu queria saber um pouquinho da sua história, minha primeira pergunta para esse podcast, queria que você contasse a sua história e saber como que você foi parar como editora de duas revistas de pessoas negras.
RL: Isso! Muito legal. Tati, o primeiro jornal que eu escrevi, eu nem tava pensando em ser jornalista, eu estava na quinta série, numa escola pública e aí lá pelas tantas eu senti a necessidade de uma comunicação, a ideia então foi reunir duas, três amigas, a gente escrevia um jornal, tirava xerox e vendia para os colegas. Então, uma das minhas primeiras experiências em relação a isso, mas ainda sem pensar nisso como uma profissão, ainda era mais uma brincadeira, e pensar nisso também, nessa trajetória, na minha própria história enquanto mulher negra, das dificuldades que a gente enfrenta, então por muito tempo eu nem me envia numa universidade, não sabia que eu ia chegar a fazer uma faculdade, terminar o ensino médio, segundo grau enfim, já era uma grande vitória, porque eu venho de uma família onde a maioria das pessoas nem conseguiu alcançar isso, e aí pensar nisso, é também pensar muito fora do eixo, é mudar essa perspectiva. Agora já temos muito mais incentivos para isso, a gente consegue fazer com que nossos jovens se enxerguem em outros espaços, em outros lugares, que há um tempo atrás isso não era possível. E aí então entrei na faculdade de jornalismo, sempre gostei de comunicação, sempre tive certeza disso, mas uma das coisas que mais me incentivaram também foi a ausência de jornalistas negros, principalmente nos veículos de comunicação televisivos, principalmente nesses espaços a gente não ta se vendo, a única referência que a gente tinha era a Glória Maria, era um período que eu ainda tinha essa fala, “quando a Gloria Maria se aposentar to aqui pronta, vou assumir esse lugar”. E tudo é aprendizado, hoje eu já tenho fala completamente diferente, tem a Glória Maria, tem Maju Coutinho, Fernanda Carvalho, tem tantas outras, então pode ter mais uma também, Renata Lopes, tem lugar pra todo mundo. Até porque a gente fala de uma população de mais de 50% para o Brasil seria muito natural que essa mesma proporcionalidade a gente pudesse ver mais veículos de comunicação, infelizmente não é assim. Sempre quis escrever textos e tal e a ideia das revistas, a primeira eu lancei em 2014, foi a coisa tá preta, reuni algumas pessoas para me ajudar nisso, e a ideia sempre foi valorizar as mídias negras, a gente falar, abordar os temas, as pautas de interesse da comunidade negra, então a gente lançou essa revista: A coisa tá preta, com esse título mesmo bem provocativo e de mudar a perspectiva, dessa frase que a coisa tá preta, a coisa tá muito boa, da gente pensar também essas palavras que a gente usa no dia a dia, que é o mercado negro, que é magia negra, em tantas coisas que a gente ainda escuta nos veículos de comunicação e que a gente tem que mudar esse sentido, positivar o sentido, então A coisa tá preta tinha essa intenção, de provocar mas ao mesmo tempo também a gente positivar isso. Aí depois em 2017 a gente lançou a Revista Pretas que foi uma revista mais voltada para o público feminino mesmo, a gente queria dialogar com as mulheres negras mas abordando também, de uma forma muito positiva. A nossa ideia era trazer cases de sucesso para inspirar outras mulheres, essa foi a intenção das Pretas, falar sobre estética, falar sobre economia, falar sobre todos os assuntos que envolvem as mulheres, mas essa perspectiva de serem mulheres negras, porque a gente não se vê mas grande mídias. São coisas muito pontuais, na semana da Consciência Negra ou então a mídia nos coloca sempre imagens relacionadas a violência ou pobreza, então a gente quer mudar isso, esse sentido, e ter as mídias negras com essa missão, positivar isso e de servir também como exemplo para que as pessoas negras possam estar se enxergando em outras perspectivas e em outros lugares, isso para nós é fundamental que aconteça.
Hoje a gente tá trabalhando também em outro projeto, a revista Reconexões, ela nasce de uma ideia de evento, de conectar pessoas, ideias e pensamentos, é uma forma também de criar uma rede de fortalecimento. Nosso primeiro evento foi em parceria com universidade aqui do Rio Grande do Sul, a gente falou sobre saúde, trouxemos especialistas, pessoas, estudantes, várias pessoas para compor, e a gente ta construindo juntos algumas formas, pensar em algumas saídas enfim nessa ideia do Reconexões, a gente reconectar mesmo. E aí a partir disso a gente lançou a revista, que tem a intenção também de todos esses temas que a gente aborda, a gente também tá colocando na revista, e sempre nessa forma positiva, colocar a capa de uma mulher negra, coisas que a gente não vê no dia a dia, coisas muito pontuais. Eu penso que o meu papel assim enquanto jornalista e comunicadora, é esse de falar com a minha comunidade, abordar estes temas e trazer à tona pautas positivas sobre a comunidade negra, pra mim isso é fundamental, porque a gente ainda vê muito pouco, infelizmente. Então a gente tem que fazer. E as mídias negras elas existem desde sempre, isso não é novidade, hoje a gente tem muitas coisas acontecendo, muitas lives, muitas revistas impressas, jornais impressos, tem lugar para todo mundo, tem assuntos diversos para a gente estar abordando e tratando, então a gente precisa manter isso e fortalecer essas mídias, essa é a minha intenção, pensando nisso, produzindo eventos também voltados para essa temática, é isso que eu amo e adoro fazer.
TT: Sensacional, sensacional, eu comecei a trabalhar com isso, trabalhar com a diversidade e também estou vendo muita coisa a respeito das pessoas negras e tô vendo essa questão da positividade nas mídias e tal, mas eu sei que existe todo lado negativo as pessoas que ainda negam a questão da importância da gente colocar as pessoas negras em evidência, a questão da representatividade que é muito importante, até esses dias eu tava lendo um livro da Lélia González que é uma intelectual, filosofa e uma das fundadoras do movimento negro e ela até cita três perfis das mulheres negras, da empregada doméstica aí é o corpo do trabalho, da mulata, o corpo do desej e da mãe preta que é o corpo da servidão da maternidade, e eu fiquei pensando na questão da mídia com relação a isso, sabe que eu acho que ainda existe essa questão da mulata com relação ao corpo do desejo, então aparece muito na mídia a questão das mulheres negras para essa questão do desejo, ou aparece muito nas mídias ainda as pessoas negras como pessoas empregadas domésticas, não é difícil a gente olhar vendo uma novela ou ver agora como é, nas mídias da política do Bolsonaro e tudo mais, a gente vê os homens brancos a mesa discutindo sobre política, e os homens negros servindo água, é muito normal a gente ver esse tipo de coisa ainda. Apesar disso eu vejo algumas mudanças também, apesar disso eu tô vendo coisas positivas avançando, assim como eu tô vendo com as mulheres também em relação ao feminismo, está avançando. E aí eu queria te perguntar o quanto está avançando na verdade? porque às vezes leva séculos para mudar, e você acha que as mídias, agora aí a gente tem Instagram, a gente tem essas redes sociais que avançam um pouco mais rápido, e eu queria saber de você que trabalha com mídias, que tá dentro desses coletivos de pessoas negras se realmente tá vendo mudanças positivas nesse sentido assim, das pessoas brancas se tornando anti-racistas, principalmente?
RL: Perfeito, Tati. Não, eu acho que essas imagens que tu trás, as imagens do governo, dos homens brancos no comando do país, nesses que espaços de poder, espaços tão importantes, eu penso que a gente tem uma trajetória muito longa, de muita luta, as mulheres desde sempre foram consideradas inferiores, ganham os menores salários, a questão da educação, nível de desemprego, todas as coisas negativas estão muito em cima ainda da questão enquanto mulheres negras, e a gente tem toda essa trajetória histórica de muita luta e resistência, enfim as mulheres negras aqui com o fim da escravidão “ah acabou, tá tudo certo, todo mundo é livre” não foi bem assim, as coisas não foram fáceis, a gente sai sem direito a terra, sem direito a nada, um lugar pra começar, e a partir daí as mulheres negras é que levaram as suas famílias com seu trabalho, seja trabalhando como lavadeiras, curandeiras ou domésticas, que conseguiram sustentar as suas famílias. Então isso foi desde sempre, a gente tem ainda um grande percentual de mulheres negras chefes de família, e ao mesmo tempo, é o que a gente não vê nas mídias, esse lugar de subalternidade, esse lugar de inferioridade, ou então de exploração do corpo da sexualidade e sensualidade das mulheres que a gente vê sendo explorado, por que esse lugar que a sociedade nos coloca, a mídia reflete muito o que a sociedade pensa, a forma como as coisas estão sendo colocadas. Eu vejo avanços, mas ainda muito pequenos, muito curto, a gente ainda tem um longo tempo, lógico de um período de escravidão, de término, mas eu penso que temos exemplos positivos para comemorar, exemplos de resistência, exemplos de vitórias também, a gente destaca várias mulheres negras que estão em posição de evidência e construindo uma nova narrativa, construindo por nós mesmas, e isso que acho interessante também, quando a gente pensa em mídias negras, é nós falando por nós, a partir do nosso ponto de vista, das nossas vivências, das nossas narrativas, isso eu acho fundamental, e essas mulheres estão tendo voz sim, o que a gente precisa é dessas mulheres nos espaços de poder, nos espaços políticos, onde estão os espaços de decisão, pra gente realmente poder proporcionar essa mudança que é fundamental e a gente precisa disso o mais rápido possível, de ter essa transformação mesmo, de realmente a gente ter e enxergar essa mudança, e que se torne natural, a gente ver toda essa diversidade, ter oportunidade pra todo mundo, que um dia isso se torne natural. Eu sou meio acelerada então acho que isso tá demorando muito pra acontecer, mas ao mesmo tempo, eu penso que a gente tá construindo coisas para a gente poder dar conta dessas demandas e entre elas, é aquela marcha que aconteceu em 2015, onde a gente pautou, a gente levou como pauta o bem-viver das mulheres, pelo fim da violência, enfim várias pautas de interesse das mulheres negras, a gente criou também aquele encontro de mulheres, amanhã a gente tá comemorando o dia 25 de julho Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, também representa muita luta, mas também tem muita resistência e a força das mulheres negras juntas pra poder transformar, colocar suas pautas, enfim. E a gente tem como fazer isso também juntas e juntos, no coletivo a gente pensar nessa perspectiva e criar essas mudanças também nessa questão cultural mesmo que é de pensar nessas mulheres negras em outros patamares, fazendo outras coisas, dando voz para essas mulheres, e é o que vocês estão fazendo também, de pensar nessa oportunidade deste espaços, para gente tá trocando, compartilhando informações, é fundamental, a gente mudar essa consciência, isso tudo que a gente aprendeu na verdade a gente desaprender, e ter essa facilidade, essa disponibilidade, disposição de olhar diferente, o que tá dado como certo, a gente começar a questionar, mas por que não? mas porque essa mulher não tá lá? a gente começar a questionar isso, nos lugares onde a gente vai dar uma olhadinha em volta, tem alguma coisa errada aqui, a metade da população é preta mas os pretos estão aqui só para me servir, né? então a gente fazer esses questionamentos, esse exercício e realmente a gente se dá conta que tem coisa muita errada ainda no mundo, muita coisa pra ser feita.
TT: É, tem muita coisa pra ser feita, e aí eu me coloco aqui muito humildemente mesmo, como uma pessoa branca, uma mulher branca e eu sei que eu tenho privilégios, eu aprendi com vocês e eu tenho muitos privilégios, tem coisa que eu nem tinha ideia e realmente a cor da pele, faz uma diferença incrível, na questão das oportunidades, nos espaços que a gente ocupa, eu aprendi muitas coisas com vocês, e recentemente, eu marquei um café, até te contar essa história, aqui para nossos ouvintes, eu marquei um café com uma pessoa negra, um colega, e ele ficou me aguardando durante uns cinco minutinhos, e ele me falou que ficou incomodado porque só tinham pessoas brancas ali e parecia que ali não era o lugar pra ele estar, que ele não tinha que estar ali. É impressionante, são pequenos detalhes assim que vocês vão nos passando que a gente vai ampliando nosso olhar e vê o tamanho do problema, então até por isso assim, muito humildemente, eu me coloco à disposição, eu quero enquanto Corali, trabalhar muito essa questão, dar voz às pessoas negras, principalmente as mulheres negras, nos eventos, eu como faço parte da tecnologia, a gente vê que os eventos são na sua grande maioria homens brancos, então ter mulheres participando já é um avanço, mulheres negras participando é um avanço, seria o melhor dos mundos, e não é que não existem mulheres na tecnologia e mulheres negras na tecnologia, nossa colega Maitê, tá lá representando essas mulheres na tecnologia, é questão de encontrarmos essas pessoas, como elas não acham que aquele lugar é para elas, elas acabam ficando invisíveis, mas elas estão lá, elas têm conhecimento, elas têm a profissão, como engenheiras, como analistas de sistema, elas estão aí, é uma questão de encontrar.
RL: São os dois movimentos, é pensar nisso mesmo, nessa invisibilização, invisibilidade desses corpos negros, elas existem, a gente tem mulheres em todas as profissões, em todos os lugares, mas são mulheres invisibilizadas ainda, e silenciadas também, muitas vezes, então a gente tem um pouco disso sim, de não se sentir pertencente aos espaços, mas ao mesmo tempo a gente também não tem essa busca ativa, onde estão essas mulheres? a gente também mudar essa perspectiva e daqui a pouco pensar mas o que que tem aqui que não tá atraindo essas mulheres para o lado de cá? então de pensar nessas estratégias também de proporcionar essas oportunidades pra termos essa experiência, de todas principalmente mulheres negras, também participando desses espaços, fundamental.
TT: Fundamental! E como é importante a gente ter esse olhar específico para mulher negra, porque eu não tinha, eu confesso que eu não tinha.
RL: Mas é natural, a gente coloca as mulheres, dia 08 de março é comemorado o dia das Mulheres, mas de que Mulheres estamos falando? É uma data que comemora a questão trabalhista, as mulheres foram para rua e onde estavam as mulheres negras esse processo? Elas estavam trabalhando há muito tempo, estavam cuidando dos filhos dessas mulheres brancas que foram para as ruas reivindicar melhores condições de trabalho, então foram mulheres negras essas mulheres também foram negligenciadas, invisibilizadas nessa situação, então dia 25 também vem como contraponto a isso, quais são as reais reivindicações e as pautas que as mulheres negras querem colocar? Então é isso, a gente pensar em todas as questões de violência que a gente tá vendo, em relação aos corpos negros, em especial as mulheres, violação de direitos, violências físicas, enfim tudo isso, que envolve o corpo enquanto mulher negra e pensar em estratégias que a gente possa tá mudando essas realidades.
TT: Exatamente, e aí eu te pergunto o que que é ser uma mulher negra hoje no Brasil?
RL: É um desafio, Tati. É um baita desafio, de enfrentar essa sociedade machista, racista, todos os itas, em fim, é a gente lutar por uma igualdade, a gente reivindicar os nossos direitos, a gente ter o direito de criar os nossos filhos, a gente pensa nisso também as mulheres negras têm muito medo de criar os filhos, principalmente filhos homens, esses dias eu tava conversando com uma amiga, as orientações para os meninos jovens negros elas são muito relacionadas a Abordagem Policial, por exemplo, “tu não responde, tira o boné, sim senhor” é isso a gente precisa preservar os nossos filhos, a gente precisa ensinar eles, como é que eles tem que se comportar em uma abordagem policial para não serem mortos. Isso é muito triste, esse peso que a gente tem que carregar quando um filho jovem, vai sair para uma festa e tal tu não sabes se vai voltar, o que que vai acontecer. Então isso é um peso muito grande para as mulheres negras, chefes de família, que tem que lutar para botar comida dentro de casa, que tem que lutar para estar nos espaços, para dar uma educação de qualidade para os seus filhos, porque as mulheres negras não andam só, isso também a gente tem que sempre lembrar, sempre tem uma família que depende daquela mulher que sejam os pais, que sejam irmãos, sempre tem alguma coisa que as mulheres estão correndo, não é individualmente, geralmente é no coletivo, pensando na sua comunidade, é reivindicando, é buscando melhorias e tal, então o peso de ser mulher negra hoje no Brasil ele é muito muito forte, é uma carga bem pesado, é um desafio como eu comentei contigo no início, mas ao mesmo tempo o que a gente precisa é se conectar com as redes mesmo porque tem muitas mulheres negras passando pelas mesmas situações e a gente no coletivo juntas, eu acho que a gente consegue proporcionar algumas mudanças e uma ajudar a outra, eu acredito muito nisso, uma das frases da Marcha das Mulheres era isso Uma sobe e puxa a outra então eu penso que os nossos desafios eles também culminam com isso, para a gente ter essas oportunidades, e a gente pensar de uma forma coletiva, como é que a gente muda todas essa estrutura que não foi feita para nós, nem por nós mas que a gente possa proporcionar um bem viver, realmente pra gente.
TT: Você falou da dificuldade que é de ser mãe, esses dias eu vi, eu não vou lembrar o nome dela, mas era uma mãe negra também dizendo que o filho de 4/5 anos, ele começou a dançar, e ela falou: “isso meu filho, expanda seus movimentos, dance, movimente seu corpo” depois ela começou a chorar dizendo : Meu Deus, quando ele chegar na adolescência eu vou ter que dizer para ele “Filho não expanda, movimente-se devagar”. E que coisa incrível, coisas que as mães brancas não se preocupam.
RL: Não, não pensam nisso, não vivem essa realidade, é diferente mesmo esse pensamento de sobrevivência dos filhos, e essas mulheres sofrem violência desde sempre, desde do pré natal, são negligenciadas no serviço de saúde, enfim tantas outras questões que envolvem e aí de pensar no futuro desses filhos que muda totalmente discurso realmente, quanto mais vão crescendo enfim sendo jovens, tu quer deixar preso dentro de casa, é isso que tu quer fazer, proteger proteger e proteger.
TT: Proteger. E aí tem gente que não entende a hashtag Vidas Pretas Importam, como que a gente pode fazer essas pessoas entenderem o porque dessa hashtag?
RL: É, não é fácil mesmo pensar nisso, porque as pessoas pensam a partir das suas experiências, é difícil sair desse lugar que eu conheço, da minha zona de conforto, me colocar no lugar do outro, é um exercício muito difícil e em relação a ser negro, eu não sei se uma pessoa branca conseguiria se colocar no lugar, porque nós não somos só o aqui e agora, a gente vem de toda uma ancestralidade, de todo um histórico, de tantas violências, de tanta brutalidade, de tantas negações de direito, de tantas coisas pesadas que nos trazem para cá, mas ao mesmo tempo tantas experiências também de mulheres negras guerreiras, e a gente tá aqui hoje por causa delas, dessa questão toda de sobrevivência, de cuidado enfim, então da gente pensar como é que a gente vai convencer pessoas não negras que as nossas pautas e dizer que sim vidas negras importam, são importantes, porque a gente apresenta dados também, nossos jovens negros são os que mais morrem na mão da polícia, taxas de mortalidade infantil com as crianças negras, materno-infantil, as mães também morrem, negligenciadas no pré-natal, não fazem todas as consultas, mas não fazem para o posto não tá aberto, porque o horário de trabalho porque nossa por muitos motivo, então só esses dados não comovem as pessoas, as imagens que a gente viu agora recentemente, falando dos Estados Unidos, George Floyd, mas aqui aconteceu agora com aquela mulher também que o policial não teve dúvidas de colocar o pé no pescoço, de uma mulher trabalhadora enfim, então da gente pensar que nem essas imagens comovem essas pessoas, fica muito difícil de dialogar, a gente tem dados, a gente tem imagem, a gente está falando, a gente tá gritando por socorro e mesmo assim as pessoas acham que ser mimimi, que isso não é importante, mas é, então da gente fazer esse exercício de se colocar no lugar do outro, conhecer a trajetória histórica, entender porque hoje nós estamos aqui, o que aconteceu antes, tudo isso é responsabilidade nossa, não dá para dizer “Ah não fui eu que escravizei” não, nós somos frutos desse processo histórico, nós somos responsáveis por isso sim, então a gente tem na nossas mãos o poder de mudar isso mudar e transformar essas realidades e mudar isso assim coisas mais positivas. Eu acredito que muitas pessoas se colocam contra isso, a gente vê manifestações horrorosas nas redes sociais em relação a isso, mas ao mesmo tempo eu percebo que muitas pessoas também conseguem se sentir sensibilizadas em relação ao tema, seja a partir de uma vivência, como tu teve, seja participando de uma atividade, seja de um evento, eu acho que em algum momento a gente consegue se conectar com essas pessoas, a gente consegue acessar alguma coisa nessas pessoas que elas começam a enxergar o mundo de uma forma diferente e cada um de nós a gente fazer essa parte, a questão do racismo, não é um problema só dos negros, é um problema da sociedade, então se cada um de nós assim que pudermos mudar as nossas micro realidade a gente já vai tá fazendo a diferença, então a gente não precisa pensar tão grande, de uma hora para outra todo mundo tem que entender que as coisas são assim, não, a gente vai começando com a nossa família, vai para nossa rede de amigos, nossos espaços de trabalho. Todos os dias, são dias de militância, são dias da gente conversar sobre isso, sobre esse tema, porque de uma forma ou outra essas temáticas aparecem nas nossas conversas então é não calar quando a gente vê uma cena de racismo, é a gente tá ali junto, ajudar, fortalecer a pessoa que está sofrendo, encaminhar, falar sobre seus direitos, isso já é uma forma também da gente transformar e mudar essa realidade, todo mundo tem um papel fundamental nisso, então é importante que a gente entenda que em qualquer espaço que a gente esteja a gente tem que estar pensando nessas formas, de transformar isso e estar falando sobre isso, tranquilamente a gente poder tá construindo juntos e juntas uma sociedade mais igualitária que respeite as diferenças.
TT: É esse é o meu sonho, o meu desejo junto com vocês, de fazer isso juntos, vamos juntas. Você falou dos eventos e da importância dos eventos pra gente trabalhar esses temas, quais são os eventos que você tem participado e que você tenha organizado?
RL: Agora a gente tá vivendo esse momento bem difícil pra todas nós, de isolamento social, eu sinto muita falta de um contato com as pessoas, eu gosto muito disso, dessa troca, o Reconexões ele vem com essa ideia de encontros presenciais, da gente estar junto, mas ao mesmo tempo nesse período tá todo mundo se reinventando, então eu penso que tem lives sensacionais acontecendo por aí, a gente até brinca que agora tem horário nobre das lives, que todo mundo tá fazendo no mesmo horário e fico bem doida querendo participar de tudo, no projeto Reconexões a gente construiu quatro lives, agora no mês de junho, trazendo a questão racial, mas trazendo também a questão de empreendedorismo, as mulheres negras se reinventando nesse momento, pensando em outras estratégias, em formas de sobrevivências, eu penso que são formas da gente que tá longe mas ao mesmo tempo isso nos aproxima, a gente construindo, ouvindo mulheres lá da Bahia, lá de São Paulo, Rio de Janeiro, agora nós uma no Rio Grande do Sul, outra em Santa Catarina, então é um momento que nos afasta mas ao mesmo tempo nos une e faz com que a gente proporcione essas trocas, trocando essas experiências, conversando sobre o que cada uma tá fazendo, então eu penso que nesse momento agora o que nós temos são lives mesmo, a gente tá construindo e pensando outros formatos, outras questões de pensamento, e construindo realmente uma nova realidade, a gente trocando essas experiências eu acho que está sendo fundamental também, isso é muito rico porque daqui a pouco tem uma atividade que a gente não ia conseguir estar junto, a gente não ia conhecer uma pessoa que está conectada lá em outro estado, outros países e tal, e a partir dessas atividades, desses eventos, lives, a gente consegue também tá fazendo essas conexões que eu acho que é fundamental, muito bom. Essa semana eu participei de uma live de um grupo de mulheres negras de São Paulo tinha uma menina da Colômbia e outras da Venezuela, e é muito legal elas contando suas experiências de vida, falando sobre sobre a questão das mulheres negras nos países delas, gente é igual! As dificuldades são as mesmas, a trajetória é muito parecida com a nossa e a gente se reconhece uma nas outras, se fortalece, eu acho que é um momento bem interessante da gente se reconstruir são coisas pesadas que a gente tá vivendo agora, não tá sendo fácil pra ninguém, mas ao mesmo tempo é um momento de trocas e da gente estar se conectando e pensando em outras estratégias e outras formas de estar crescendo e evoluindo.
TT: Eu ficaria mais uma hora conversando contigo mas a gente está chegando nos nossos momentos finais e eu queria ver contigo o que você deixa de recado final para as pessoas negras, para nós, principalmente para nós pessoas brancas, como que a gente pode estar mais junto, qual o recado que você deixa nesse final de podcast que eu achei maravilhoso e eu já quero te encontrar mais vezes por aqui.
RL: De imediato, agradecer imensamente pela oportunidade, muito bom te encontrar, trocar e conversar contigo novamente, eu estou muito feliz com esse momento, com a nossa conversa, nossa foi maravilhosa. Eu deixo a fala da Viola Davis que ela fala sobre o que nos diferencia das outras mulheres é a falta de oportunidades, então pra gente pensar nisso nos nossos fazeres diários, nas nossas questões no trabalho, tu que trabalhas na tecnologia, que já tá pensando outras coisas, fora do eixo, fora da bolha, faz a gente pensar de que forma que a gente pode oportunizar que mais mulheres negras possam estar acessando todos esses espaços e ascenderem economicamente e financeiramente, trazer com elas toda nossa comunidade também onde as nossas jovens também tenham essas mesmas oportunidades e que a gente tenha um mundo mais igual para todos, da gente pensar também nessa sociedade que a gente precisa que nos respeite e que nos valorize. Muito obrigada novamente!
TT: Obrigada você, Renata! Obrigada por nossos ouvintes que nos acompanharam até aqui. Sensacional, de coração muito obrigada!