Semana passada conversei com uma amiga que buscava novas possibilidades de carreira como administradora e por eu estar envolvida com o setor de tecnologia há cerca de cinco anos (e aqui eu me refiro à tecnologias digitais) falei: “Você já pensou em trabalhar em empresas de tecnologia?” A resposta foi direta, “Ah mas eu não entendo nada de softwares, e vejo que a maior parte das vagas é voltada para desenvolvedores. Acho que esse mercado não é pra mim…”
Bem, eu também não sei escrever uma linha de código, mal e mal sei como funciona a construção de um sistema, e estou longe de ser a pessoa mais tecnológica do meu círculo de contatos. Ainda assim, nesses últimos anos me dediquei diariamente para promover esse setor. Então minha primeira intenção aqui é dizer “Sim, o setor de tecnologia e inovação é para mim, para você e para qualquer um” (e considerando nossas áreas de formação, para que fique claro).
Mas então por quê muita gente ainda tem a percepção de que a tecnologia é uma redoma formada exclusivamente por desenvolvedores de software? Bom, por que de fato por muito tempo a tecnologia foi isso, e essa imagem ainda tem fundamentos em diversos aspectos. Porém ao longo das últimas décadas o setor vem se expandindo e precisando cada vez mais de pessoas com diferentes perfis e formações para construir produtos e serviços que gerem valor à sociedade. Então meu objetivo com esse texto, é desmistificar um pouco os estereótipos, te contar um pouco mais da história e evolução desse setor em uma linguagem mais acessível do que se propaga por aí, e apresentar alguns caminhos para quem quer se inserir profissionalmente nesse contexto. Vou falar de forma mais exclusiva sobre as empresas, e em um próximo momento, trarei também outras possibilidades dentro desse setor.
Antes de entrar no momento e caminhos possíveis vou dar um passinho atrás, e contar um pouco da onde vem esse setor e de que transformação estamos falando.
O desenvolvimento da tecnologia
O setor da tecnologia (e aqui novamente pontuo que estou falando de tecnologias digitais) nasceu com a criação das primeiras máquinas para fazer cálculos e da ideia de programar uma máquina para calcular, isso ainda no século XIX. Já o crédito da origem da computação e das máquinas como conhecemos hoje, é dado à Máquina de Turing, considerada o protótipo dos computadores modernos. Para quem gosta de cinema, um bom filme para entender um pouco dessa história é “O Jogo da Imitação”, que conta a história do matemático Alan Turing.
Após a experiência de Turing várias organizações se empenharam em desenvolver os computadores e aplicar os conceitos da programação para solucionar suas demandas. Outras histórias que merecem destaque nessa caminhada são os desenvolvimentos do setor aeroespacial e as missões espaciais, em especial a missão Apollo 11, que levou o primeiro homem à Lua. Aqui, novamente indico um ótimo filme para entender um pedacinho dessa história, o filme “Estrelas Além do Tempo”, que conta a história de três incríveis mulheres negras que trabalharam na Nasa e ajudaram a desenvolver as primeiras linguagens de computação, a engenharia por trás das espaçonaves e os principais cálculos para a realização da missão.
A sequência dessas histórias foi o advento da internet. A internet teve sua origem como redes internas de trocas de mensagens na universidade que em dado momento passaram a ser comercializadas. Em 1992 o Laboratório Europeu de Física de Partículas (Cern) inventou a World Wide Web, para que qualquer usuário da internet pudesse trocar informações com outros.
A partir disso deu-se origem às primeiras empresas baseadas na internet, que posteriormente formaram a conhecida bolha das .com ou bolha da internet, um período especulativo ocorrido pelo direcionamento da atenção de investidores à esse novo tipo de empresa que surgia e trazia consigo grandes potenciais de solução de problemas e com grande alcance. Nascem nessa época empresas como Google e Yahoo, por exemplo.
A evolução e o mercado atual
A criação da internet trouxe para o mercado da tecnologia novas possibilidades em termos de modelos de negócios, ou seja, na forma como produtos e serviços eram entregues aos clientes e geravam receita. As novas possibilidades também trouxeram novos desafios falando de administração do negócio, o que ocasionou a geração de novas funções no mercado, e por consequência a necessidade de profissionais com conhecimentos diferentes. Vou te dar alguns exemplos.
Vamos comparar primeiro um negócio que não tem a tecnologia como produto (não vende nenhum sistema ou produto tecnológico digital) e um que tenha. Imagine uma empresa de vestuário que funciona no modelo de produção e vendas própria. Para funcionar essa empresa precisa de profissionais que administrem o negócio: comprem as matérias primas, façam a gestão financeira, contratem outros funcionários e etc. Precisa de pessoas que produzam as roupas: desenhem a coleção, costurem, bordem. E também precisa de pessoas que atendam clientes: façam as vendas, gerenciem o caixa, e até mesmo recebam clientes que queiram trocar ou devolver produtos. Agora imagine uma empresa que ao invés de roupas, produz um sistema de gestão financeira para outras empresas. Para funcionar, a empresa precisa de pessoas que produzam o sistema: desenhem a estrutura e desenvolvam. Precisa de pessoas que administrem o negócio, de modo similar à empresa de roupas. E também precisa de pessoas que vendam o sistema e atendam clientes. Até aqui, as principais diferenças entre os dois negócios são as competências para a produção dos produtos de cada uma. A grosso modo, podemos dizer que a diferença primordial aqui é que enquanto uma empresa precisa de modelistas e costureiras, a outra precisa de desenhistas de sistemas e desenvolvedores.
Bem, vamos avançar para os novos modelos surgidos a partir da internet.
De imediato, a internet trouxe uma nova gama de possibilidades em termos de produtos e serviços, muitos deles ligados inicialmente ao fato de a internet funcionar como um novo espaço de busca de informações e interação entre as pessoas. Surgem daí por exemplo os as redes sociais com os modelos de anúncios publicitários. Pulando para a última década, o que vimos foi um boom de empresas que migraram de um modelo de venda de um produto tecnológico, para modelos de serviços baseados na internet, aproveitando dessa tecnologia para entregar de forma diferente os seus produtos e serviços.
Vamos ao próximo exemplo. Consideremos novamente a empresa de sistema financeiro. Antes da internet, muitas empresas como essa comercializavam seus softwares em formato de venda de produto. Os leitores um pouco mais velhos por aqui com certeza lembraram da época em que compravam sistemas que vinham em CDs e eram embalados em caixinhas. Os vendedores do sistema normalmente também eram o técnico que ia até sua casa ou trabalho te ajudar a instalar o sistema em seu computador, e ali o produto ficava. Com a internet, os sistemas em CD foram morrendo, e se deu início à compra desses produtos por meio da internet. Em uma primeira fase eles eram “baixados” e instalados no seu computador, depois eles passaram a ficar “na nuvem”, ou seja, baseados na internet e para acessá-los foram criados os mecanismos de acesso de usuários. Acredito que você já tenha feito um “Login” na sua vida e saiba do que estou falando né?
Pois bem, as evoluções no mercado começaram a acontecer cada vez mais rápido. Um mundo de possibilidades foi aberto e as empresas começaram usar cada vez mais as possibilidades da internet para reinventar a forma como entregavam valor aos seus clientes. O avanço das tecnologias digitais foi fazendo com que os sistemas também ficassem rapidamente desatualizados. E enquanto uma empresa estava entregando o serviço ou produto de uma maneira, seus concorrentes já estavam produzindo sistemas mais atualizados e com novas “caras”. Isso gerou trouxe uma mudança significativa para o mercado, acarretando na mudança de modelos de negócios de venda de softwares e licenças para a comercialização de softwares como serviços e modelos de assinaturas.
Os modelos de serviços
Avancemos novamente nos nossos exemplos. Aquela empresa que produzia um sistema financeiro e o vendia em um CD, primeiro migrou seu sistema para a internet e passou a vender licenças do sistema, que era então baixado e instalado na máquina do usuário. De tempos em tempos era preciso “rodar uma atualização do sistema”, pois aquela primeira versão já não funcionava mais direito. Bem, com o avanço da famosa “nuvem” e a evolução no processamento e armazenamento de dados na internet, as tecnologias permitiram que as empresas mantivessem os sistemas rodando online. “Baixar” um sistema virou em muitos casos coisa do passado.
Atualmente, os modelos de negócios que despontam no mercado da tecnologia, são os de sistemas e plataformas por assinatura. A empresa com o sistema financeiro, hoje possui um sistema integralmente online, e ela vende o direito de acesso ao seu sistema por um período determinado. Então o cliente o que o cliente compra, não é mais o software como um produto, mas sim a o uso de uma ferramenta para a gestão financeira. O sistema é atualizado automaticamente e novas funcionalidades aparecem o tempo todo, ou seja há designers e desenvolvedores trabalhando todos os dias para aprimorar o serviço que você já está usando. A compra da licença é normalmente feita com apoio de um vendedor ou mesmo de forma autônoma (aposto que você não conversou com ninguém da Netflix para fazer sua assinatura na plataforma…). Os famosos “meninos da TI” que vinham até sua empresa resolver algum problema técnico praticamente não existem nesses modelo. Ao invés disso, você tem acesso à equipes de suporte online, que tiram dúvidas e te auxiliam a usar o serviço e te manter engajado no sistema. E para sustentar toda essa operação estão por trás desses modelos também os profissionais de marketing, administração financeira, gestão de pessoas, e etc.
No fim do dia, as grandes diferenças do mercado da tecnologia para outros mercados, está exatamente ligada à esses modelos de negócios. As “costureiras” na tecnologia não terão trabalho à medida que o novo pedido for feito, é preciso criar um primeiro sistema, mantê-lo rodando e atualizado para só então os clientes possam usá-lo. A partir da criação de um software, há um esforço incessante de vendas de licenças e manutenção de clientes que paguem o investimento inicial e mantenham a operação rodando. Fazendo uma comparação simplista, enquanto a produção de uma camiseta poderia custar (digamos) 50 reais e será utilizada por 1 cliente, um sistema de gestão financeira poderia custar (digamos) 1000 reais para ser criado, e ter um custo de manutenção de 300 reais por mês por período indeterminado. A diferença é que o mesmo sistema será utilizado por muitos clientes que pagarão uma mensalidade para usá-lo. Assim, o custo de abrir um negócio de tecnologia muitas vezes é alto, e até que o investimento “se pague” é preciso conquistar muitos clientes.
Essa nova dinâmica traz novos desafios em termos de gestão e competências para colaboradores que atuam nesse setor. E aqui chegamos na parte que mais importa de toda essa conversa: como trabalhar com tecnologia e por quê há espaço para todos?
A inserção profissional
Bom, eu espero que após tudo isso esteja claro que no fim das contas, as empresas de tecnologia são… Empresas. E como toda e qualquer empresa elas precisam de pessoas para produzir, comercializar, atender pessoas, prestar suporte, cuidar da gestão financeira, da gestão de pessoas, do marketing e assim por diante.
Então a primeira conclusão é: de todo um negócio de tecnologia talvez 10% quem sabe 20% (esse número oscila muito de negócio para negócio) são profissionais que estão dedicados a produzir os softwares, geralmente desenvolvedores, designers de produto e interação e gestores de projetos. Os demais profissionais distribuem-se majoritariamente em áreas de vendas, atendimento e suporte ao cliente, e em percentuais menores em equipes de áreas administrativas internas.
Apesar disso, é verdade sim que hoje a maior demanda nesse mercado é por profissionais para as áreas técnicas, ou seja, relacionadas ao produto em si. E é por isso que quando alguém busca por vagas em empresas de tecnologia normalmente encontrará demandas por “Desenvolvedor Front-end”, “Desenvolvedor Full-stack”, “UX Designer”, “Product Manager” e por aí vai. Os nomes também não ajudam eu sei… O mercado da tecnologia no Brasil se desenvolveu muito espelhado em mercados internacionais, e acabou importando termos sem a devida tradução. E esse é um dos primeiros pontos para a criação de barreiras entre profissionais e esse mercado.
Para piorar a situação, não foram só as funções técnicas que foram importadas de fora. Nomes como Sales Development Representative (SDR), Customer Success, Talent Manager, e etc, são usados para designar diversas funções que nada tem a ver com o desenvolvimento do produto em si.
Assim, minha última contribuição para esse texto, é te mostrar que se você não for um desenvolvedor e não entender nada de linguagens de programação e sistemas, esse mercado ainda assim pode ser para você! Deixo aqui embaixo uma lista dos principais cargos no mercado da tecnologia e o que esses conjuntos realmente significam no bom e velho português!
Área de vendas:
Área de atendimento ao cliente, suporte, consultorias para uso dos produtos:
Área de Marketing:
Área de gestão de pessoas
Áreas de produto e engenharia
Além dessas muitas outras possibilidades aparecem nesse mercado todos os dias. Mas por hoje tá bom né?
1 Comment
Your article helped me a lot, is there any more related content? Thanks!