As próximas linhas contém um relato real de violência contra mulheres
“Tudo começou a 12 anos atrás, onde o amor da vida da minha irmã mais velha cometeu a sua maior loucura. […] Minha irmã havia terminado seu relacionamento de um ano e pouco mas seu ex não aceitava de forma alguma a separação, a ameaçava todos os dias […] ele avisava que se ela não voltasse [para ele] ela não ficaria com mais ninguém, e sem saber que era verdade minha irmã fechou seus olhos para aqueles avisos […]”
No ataque que levou a vida desta mulher, outras três mulheres da família foram agredidas e duas sobreviveram, dentre as quais a dona destas palavras.
“Me dói ver o tanto que tive que passar para entender o valor do meu consentimento, do meu corpo, do meu psicológico […] sobrevivi por vontade de Deus e muita força de vontade. Depois de muito tempo aprendi a me admirar […] não deixei que isso me definisse ou me diminuísse perante a sociedade. Hoje […] sigo feliz por ter tido mais uma oportunidade para viver. […] hoje me policio em todos relacionamentos, observo muito a ação de cada pessoa que conheço e a qualquer sinal de possessividade, ciúmes obsessivo, pessoa nervosa demais me retiro. Não é fácil afastar-se de alguém que amamos, mas temos que aprender que a pessoa só muda quando ela mesma vê que tem um problema, e não precisamos ficar no meio disso. Nunca aceite que alguém lhe diga o que pode ou não fazer, que te faça diminuir ou se calar. Se permita ser feliz!”*
Relatos como este são, infelizmente, muito mais comuns do que pensamos. Conforme já relatamos em outros conteúdos em nossos canais, segundo dados internacionais, mesmo antes da pandemia do novo coronavírus, a violência doméstica já era uma das maiores violações dos direitos humanos. Durante de uma de suas falas recentes, a Diretora da ONU Mulheres, Phumzile Mlambo-NgcukaNa, reforça que para muitas mulheres a violência enfrentada em casa pode ser outro perigo mortal. Dados da ONU revelam que nos 12 meses anteriores à pandemia, em todo o mundo foram mais de 240 milhões de mulheres e meninas, de 15 a 49 anos, submetidas à violência sexual ou física por um parceiro íntimo.
Precisamos fazer com que esses números parem de crescer!
Os sinais da violência
Em uma cartilha prática sobre o enfrentamento da violência contra a mulher, lançada pelo governo federal em 2005 e escrita por Bárbara Soares, esta aponta que “a violência conjugal é uma expressão do desejo de uma pessoa controlar e dominar a outra” que “muitos homicídios acontecem justamente quando a mulher tenta se separar”, sendo este o momento em que o agressor percebe que já não consegue mais dominar e controlar sua parceira.
Aponta-se ainda que a violência doméstica contra a mulher envolve atos repetitivos, e que vão se agravando, em freqüência e intensidade. São casos de coerção, cerceamento, humilhação, desqualificação, ameaças e agressões físicas e sexuais variadas.
Segundo a mesma cartilha supracitada, alguns dos sinais mais comuns de violência são:
Psicológicos:
Físicos:
Sexuais:
Esses são sinais, que assim como no relato com o qual começamos esse texto, precisamos estar atentos e atentas! As consequências da sua não observação e tratamento podem ser trágicas.
E por que agressores se sentem no direito de usar a violência para obterem o que desejam?
A violência contra as mulheres faz parte de um problema social estrutural, e enraizados em construções sociais históricas e milenares. No episódio 2 do nosso podcast Papo Diversidade, conversamos com um psicólogo e psicanalista sobre esse e outros assuntos, e te convidamos a entender esse tema em mais detalhes ouvindo o episódio na íntegra, ou acessando a transcrição disponível em nosso site. Também explicamos um pouco mais sobre esse assunto em um primeiro artigo publicado em nosso blog também baseado nesta conversa.
Bárbara Soares aponta ainda que os homens não são naturalmente violentos, eles aprendem a ser. Ela vai além dizendo que a associação entre masculinidade, guerra, força e poder é uma construção cultural. Do mesmo modo que a paz, a emoção e a vocação para cuidar não são qualidades naturais da mulher. Tudo é aprendido e pode ser aprendido por todas as pessoas.
No documentário “O Silêncio dos Homens” assinado pela organização Papo de Homem faz um levantamento histórico e dados sobre as construções sociais que enfatizam os “papéis” do homem na sociedade e reúne uma série de relatos de homens e outros diversos profissionais que atuam com as temáticas de gênero e violência, para mostrar o cenário em que vivemos. A partir deste trabalho, entendemos que as construções e crenças que nos trouxeram até aqui contribuíram para produzir uma “masculinidade tóxica” e que se externaliza não só através dos alarmantes números de violência de homens contra mulheres e outros grupos inferiorizados, como também de homens contra homens.
Como transformar esse cenário?
Educação na base: É preciso educar nossa sociedade de forma diferente. Precisamos que crianças aprendam a não utilizarem da violência para atingirem o controle e o poder sobre outras. Meninos podem e devem falar sobre sentimentos, chorar, fazer tarefas domésticas… Homens não têm o dever de serem os “provedores”, os “chefes de família”, os “homens de ferro”. Mulheres podem e devem estudar, trabalhar, serem independentes emocional e financeiramente, podem ou não querer casar e ter filhos, podem ser ou fazer o que elas quiserem.
Atenção e denúncia: Precisamos parar a violência enquanto é tempo. É preciso atentar-se aos sinais de violência, apoiar e buscar apoio. Vidas podem ser salvas. Procure conhecer canais de denúncia e projetos de apoio à reabilitação de mulheres e homens envolvidos em casos de violência doméstica. Você pode ajudar!
Indicamos aqui alguns canais e projetos que trazem informações relevantes e espaços de denúncia para apoiar pessoas agredidas e que buscam diminuir a violência no país em diversos ambientes e entre diversos públicos.
*O depoimento que inicia este texto foi voluntariamente concedido por uma mulher forte e que vem buscando usar sua voz e sua história para ajudar outras mulheres a se atentarem aos sinais de violência em tempo, e evitarem que tragédias aconteçam. Mais do que isso, ela busca fazer da sua história um exemplo de superação, e mostrar que a vida continua e ainda é bela.
Agradecemos de coração à Genilva Monteiro pelo depoimento, pela força e por utilizar sua voz para ajudar tantas mulheres que precisam de apoio!
Referências:
ONU Mulheres